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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

“Violência doméstica evidencia desequilíbrio de poder entre homens e mulheres”, diz especialista


Psicóloga avalia as causas e efeitos dos crimes contra as mulheres
24/01/2019 - 19h35 - Atualizada em: 24/01/2019 - 21h16

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Blumenau registrou, nesta quinta-feira (24), o primeiro homicídio de 2019. A vítima foi uma jovem de 16 anos, morta com um tiro na cabeça pelo namorado. O assassinato, apontado pelo autor como acidental, aconteceu durante a manhã no bairro Itoupava Central. O caso é mais um dos que se tornaram recorrentes na região, conforme mostram os balanços da Polícia Militar.

No dia 17 de janeiro, outra mulher foi gravemente agredida. Ela apanhou do companheiro em uma calçada no bairro Vila Nova, quando o sol clareava. O quadro de saúde dela foi tão grave que ficou seis dias internada no Hospital Santa Isabel. O agressor foi preso após passar pela audiência de custódia na Justiça.
Leis e programas foram criados para proteger as mulheres, mas o tema ainda é um desafio. A reportagem do Jornal de Santa Catarina conversou com a psicóloga Sheila Fagundes Isleb sobre o assunto. Ela é a coordenadora dos grupos que promovem debates com mulheres e homens autores e vítimas de violência. Confira a entrevista:

Santa – Como você vê esse crescimento nos casos de violência doméstica? Entende ter algum motivo pra isso?

Sheila – Os casos de violência doméstica são a evidência cruel de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres. É fruto de um aprendizado social, não natural ou biológico, que valoriza a força e a agressividade masculina e coloca o homem como naturalmente superior, permitindo a este controlar a vida e os desejos da mulher. Para se avaliar as causas da violência devem-se considerar os fatores individuais e o meio social em que os envolvidos estão inseridos, as políticas públicas, a aceitação social, a valorização dos estereótipos de gênero, leis discriminatórias. Cada relação violenta tem seu contexto, mas precisamos avaliar os valores sociais e sua relação com a violência doméstica.

Santa – Qual a maior dificuldade para mudar a cabeça dos homens agressores? Como eles justificam seus atos?

Sheila – O autor da violência é um homem comum, que não segue um perfil específico e muitas vezes não reconhece seus atos como sendo violência, pois naturaliza a prática como simples manifestação da sua masculinidade, corroborada pelo julgamento social que recai com mais vigor sobre o comportamento feminino. É preciso, em primeiro lugar, que ele se reconheça nesse lugar e muitas vezes isso só ocorre com a intervenção jurídica, com a aplicação da Lei Maria da Penha, que prevê, entre outras medidas, o trabalho socioeducativo com os homens. É dever do poder público oferecer serviços especializados para atendimento tanto da vítima quanto do autor da violência, para que possam compreender as origens do comportamento violento e ressignificar suas formas de se relacionar.

Santa – Quão profundos são os danos causados pela violência doméstica na estrutura familiar?

Sheila – A violência doméstica causa profundos impactos âmbito físico, psicológico e social. Ela pode minar a autoestima da mulher e estender os danos a toda família. Os filhos vivenciam traumas e podem desenvolver transtornos de ansiedade, apresentar agressividade e dificuldades nas suas relações interpessoais no decorrer de toda a vida, podendo ainda reproduzir a violência presenciada na infância.

Santa – Por que é tão difícil romper o ciclo da violência? Você entende que os serviços públicos são suficientes e bem integrados a ponto de criar uma rede de proteção?

Sheila – Há muito que se avançar. A legislação é um importante instrumento, mas é executada por pessoas, as quais carregam seus próprios preconceitos e resistências. Ouvimos constantemente relatos de julgamentos preconceituosos por parte de profissionais que devem prestar serviço de proteção à mulher, o que pode gerar falhas no atendimento e desmotivação na vítima que procura orientação. É preciso fortalecer esses serviços e construir valores sociais de igualdade e respeito, independente de gênero, raça e orientação sexual.

Onde é possível buscar ajuda

Para proteger as vítimas de violência doméstica, os sete Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de Blumenau oferecem, todas as segundas-feiras, às 9h e às 14h, acolhimento coletivo. Nestes espaços, a pessoa que sofre violência é orientada e encaminhada para um dos dois Creas. Neles, quinzenalmente, mulheres se reúnem para compartilhar as experiências.

– O objetivo é criar um espaço de fortalecimento, onde elas consigam reconhecer essas violências, desde as mais sutis até as mais aparentes, possibilitando romper (o ciclo de violência), mesmo que elas permanecem na relação – explica Sheila.
Para isso, porém, é preciso trabalhar os dois indivíduos da relação, destaca a coordenadora do Cras 1. Por isso, há a oferta de encontros com homens agressores nos centros. Eles chegam até o serviço, na maioria das vezes, por determinação judicial. Mesmo assim, diz Sheila, há avanços na compreensão sobre como estabelecer uma relação sem abusos. A rede de proteção conta ainda com acolhimento. Em alguns casos, as mulheres são direcionadas para a Casa Abrigo Eliza.

Números importantes

Polícia Militar

- Telefone 190: quando presenciar ou vivenciar algum episódio de violência contra a mulher.

Rede Catarina

- Telefone 3221-7332 e e-mail 10bpmredecatarina@pm.sc.gov.br: para receber acompanhamento da polícia ou buscar orientação sobre as ferramentas de proteção à mulher.

Central de Atendimento para Mulher em Situação de Violência

- Telefone 180: para buscar orientação sobre direitos e serviços públicos à população feminina, bem como para denúncias ou relatos de violência.

Delegacia de Polícia de Proteção a Mulher, Criança e Adolescente

- Telefone 3329-8829: para registrar ocorrência de violência contra a mulher, bem como requerer medidas protetivas e iniciar processos contra agressores.

Por Talita Catie


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